quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A raiva da lua

A esquerda vivia bem
Para ela nunca faltou braços
Já a direita, dedilhava dúvidas

O céu cuspia súplicas
O sol apertava o passo

Quem estava há tempos no centro
Virou sombra e fugiu de si mesmo

A luz que olhava minguante
Com uma velocidade impressionante
Se virou pra iluminar o instante:

A lua levantou o dedo médio
Ela não estava nem à direita
Nem à esquerda e muito menos
no centro das atenções
Com inveja e com raiva de tudo
Mandou o espaço pra aquele lugar.

Alexandre França & Édson de Vulcanis

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

o pogo da terceira idade

meu coturno virou pantufa
a indumentária negra, de pelúcia
o fio do último moicano
dando adeus à nuca
rabo de galo agora é canja
o câncer da sociedade é meu
ataques ao sistema tísico
o Sex Pistols há muito me esqueceu
mas ainda pogo como antes,
devagarinho, tocando o foda-se
ufa! sem futuro eternamente punk

edilson del grossi, édson de vulcanis & marcio goedert

drama de copos

já fui feliz um dia
sem perceber que você fingia
quando dizia que me amava
à noite eu acordava e trabalhava
enquanto com outro você dormia
um dia cheguei mais cedo em casa
doente, febril e com tremores
em nosso quarto encontrei vocês dois mandando brasa
sem vergonha, sem amor e sem pudores
fui ao bar em nosso bairro encher a cara
pensando com a minha vida acabar
mas lembrei o que disse o bom Jesus
o sofrimento alivia minha cruz
e assim vou investindo em meu destino
abandonando o papel de sofredor
vou andando pelas ruas da cidade
a procura de um amor de verdade

edilson de grossi, édson de vulcanis & antonio thadeu
wojciechowski

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

À noite divago, doutor.
(aos marinheiros do submarino Kursk)

nossos marinheiros estão pedindo água
vivem os infernos no fundo do mar
a lucidez se perde nas trevas
garçom, traga mais uma garrafa de oxigênio
estou seco para afogar as mágoas
será que emergiremos apenas para sermos enterrados
ou cremados e novamente jogados ao mar
assistindo nossas cinzas irem por água abaixo
será que nós paus d’água iremos nos salvar
vamos pedir aos céus que voltemos à terra
e que a verdade venha à tona

ubiratan gonçalves de oliveira, édson de vulcanis & antonio thadeu wojciechowski

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

ao lindo johnson

eu era um homem muito bonito
eu era charmoso
eu era lindo
eu era maravilhoso
eu era demais
eles me chamavam de alain delon
mas hoje de longe, me chamam de jason
me taxam de jason
me pegaram pra jason
me mostre o seu coração de monstro
e eu mostro os pêlos da mão:
seus pesadelos mais sinceros se realizarão

édson de vulcanis, marcos prado e marcio goedert

domingo, 19 de agosto de 2007

crowley´s home

cresce capim no meu carpet
as cortinas escorrem pela janela
os rodapés sobem pelas paredes
o sofá é tragado pelo piso movediço
- outono dos lustres: caem lâmpadas
a estante me hipnotizou e está em posição de ataque
a banheira prepara o bote
a porta da cozinha me mastiga o estômago
a mesa engatinha pelo corredor
a cadeira saltou com os quatro pés no meu peito
sangue jorra pelas tomadas
os quadros fogem da realidade
saio voando pela varanda

édson de vulcanis & marcos prado
saudades da lancheira

onde andam vocês, bolachas maria?
amiguinhos toddys
cream crackers piraquê
por que me abandonaram?
venham, duchens
voltem, zequinhas
bidu-cola, crush e mirinda
apareçam antes que eu morra
pela boca cheia de formiga

édson de vulcanis & marcos prado

domingo, 13 de maio de 2007


cartola

sou negro albino
não sou sarará
já fui batedor de sino
hoje ensino a dançar
também bato tambor
alegre faço a cuíca chorar
batuque é uma espécie de amor
samba é uma forma de amar

édson de vulcanis & marcos prado

domingo, 11 de março de 2007


luxações
as manchas violáceas em meu corpo
escoriações
os vergões das chicotadas
mutilações
meu sangue pingando das suas unhas

édson de vulcanis & marcos prado
a felicidade bate à minha jaula

cheguei em casa truculento
estripei minha mulher
desossei meus filhos
taquei fogo nos vizinhos
não porque sou violento
mas por estar carente de carinho

acordei feliz e satisfeito
numa jaula cheia de companheiros
sem mulher, crianças e vizinhos
só com amor, carinho e compreensão
guardas, grades, cães e carcereiros
aqui protegem do mal meu coração


édson de vulcanis & marcos prado

sábado, 3 de março de 2007


cãibras no sangue

hoje eu acordei em tiras
os olhos com formato de duas garrafas vazias
o vômito como morcilha de porco
as hematomas doendo como socos por todo o corpo

quem vai pagar essa conta?

beber aos litros atrai espíritos malignos
fui expulso de casa e olha que eu moro sozinho
prometo beber somente na semana que vem
tropeçar me cai bem

édson de vulcanis & marcos prado

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007


a canção do camelo

desse deserto conheço cada grão de areia
à noite me segue sempre a mesma estrela
você é meu oásis e minha tâmara
rara como brisa em flor de âmbar

estou vivo dentro de uma natureza morta
não reconheço minhas próprias pegadas
nem a impressão de minhas passadas passadas
atalhos que me trarão de volta

do alto, você chamusca o chão que eu piso
minha sombra é uma nuvem de gafanhotos
por esse mar arenoso eu deslizo

a sede dos meus cantis rotos
bebe a areia que virou vidro
e eu blatero ao sol meus perdigotos!

édson de vulcanis & marcos prado

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007


no fim da picada
(agora que drummond virou pó)

no fim da picada tinha um traficante
tinha um traficante no fim da picada
tinha um traficante
no fim da picada tinha um traficante

nunca me esquecerei das carreiras, caminhos
e da vista de minhas pupilas tão dilatadas

nunca esquecerei que no fim da picada
tinha um traficante
tinha um traficante no fim da picada
no fim da picada tinha um traficante

édson de vulcanis & marcos prado

anjo da morte

a morte é o último mistério da vida
quando você morre e não esquece de deitar
vira uma forma nebulosa na subida
que vive suspensa em qualquer lugar

além-túmulo, existirá vida possível?
zumbem como moscas respostas amorfas
tem muita gente que ainda crê no incrível
dormem acordadas, sonham consigo, levantam mortas

assombrado de estar vivo
a morte é um estado de espírito
sou o ser que quer ser redivivo
sozinho, morto, morto, morto, não consigo

édson de vulcanis & marcos prado

domingo, 25 de fevereiro de 2007


dedos cruzados

se você quer ser mal humorada
cafajestica, cretina, falsa
dissimulada, pernóstica, reacionária, infeliz
de uma figa que eu fiz
pra me livrar de você
se você quer ser, pode ser
levanto teu astral estrela decadente
não leve a mal te querer também

antonio thadeu wojciechowski, edilson de grossi e édson de vulcanis